24.6.08

(...) Pois de tudo fica um pouco.Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha.De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados,nas folhas, mudas, que sobem.Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana,dragão partido, flor branca,ficou um pouco de ruga na vossa testa,retrato.(...) E de tudo fica um pouco.Oh abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória.(Resíduo)
Carlos Drummond de Andrade

5.6.08

(...)Como bailarina de circo, uma das pernas equilibrada no fio do arame, a outra alongada no ar, as mãos inesperadamente donas do poder de iluminar as coisas, as pessoas. Não sei precisar o momento em que o fio tremeu, abalando meu corpo inteiro, e o poder fugiu. De repente precisei me movimentar mais rápido, para não cair no espaço vazio sem rede, me arrebentando sobre os cacos coloridos espalhados no chão. Os gestos brotavam agora de todos os membros, já não era um gatinho novo ao sol damanhã, mas um animal ferido contraindo-se entre a dor das feridas e a tentativa de manter um equilíbrio qualquer ou captar um sopro capaz de evitar o desabamento da morte, da loucura e do ódio sobre cada uma das nossas cabeças(...)
Caio Fernando Abreu